FLA x FLU da Lagoa- O jogo que valeu um título
- Torcedor Cultural
- 22 de out. de 2019
- 4 min de leitura
“Bola pro mato que o jogo é de campeonato”. Fato ou lenda?
Por Vilmar Vale
A Origem

Desde 07 de julho de 1912, quando se enfrentaram pela primeira vez, Flamengo e
Fluminense já davam ideia do potencial de emoção que esse jogo carregava e
do quanto suas torcidas potencializariam essa rivalidade, que apenas nascia,
através dos tempos. Nascido de uma dissidência tricolor, o departamento de
futebol do Flamengo transferiu a paixão do remo para a nova modalidade do
clube e, em poucos anos, tornou-se uma força equivalente ao Fluminense,
passando a disputar, ano a ano, a hegemonia do futebol carioca. Em 1933,
início da era do profissionalismo no futebol brasileiro, o jornalista Mário Filho,
rubro negro convicto, cunhou a expressão “Fla x Flu” para designar esse
encontro, com o intuito de promove-lo junto as torcidas e incentivar uma
rivalidade sadia. Mais tarde, apelidou-o também de “Clássico das Multidões”,
muito em consequência da grandeza que esse confronto adquiriu.
“O Fla x Flu começou quarenta minutos antes do nada”. Com afirmações desse
tipo Nélson Rodrigues, pelo lado tricolor, ajudou a imortalizar o encontro. Não
havia volta. Esse jogo, mais do que um clássico, havia se transformado em um
dos maiores acontecimentos esportivos da cidade. O Fluminense conquistara o
tricampeonato carioca (36/37/38) e foi campeão em 1940. O Flamengo venceu
no ano de 1939. Foi nesse clima de rivalidade e luta pela hegemonia do futebol
carioca que a dupla Fla x Flu chegou a histórica e lendária decisão do
campeonato de 1941.
O Jogo

No dia 23 de novembro de 1941, no estádio da Gávea, Flamengo e Fluminense entravam em campo diante de 15.312 torcedores, para decidir o título. O Fluminense seria bicampeão com um simples empate, já o Flamengo precisava
vencer para conquistar o título. O tricolor começou o jogo com Batatais,
Renganeschi e Machado; Malazzo, Brant e Afonsinho; Pedro Amorim, Romeu,
Russo, Tim e Carreiro. O Flamengo com Yustrich, Domingos e Newton; Biguá,
Volante e Jayme; Sá, Zizinho, Pirillo, Ruben e Vevé. Apitou a partida o folclórico José Ferreira Lemos, conhecido como “Juca da Praia”.
Pedro Amorim e Russo colocaram o Fluminense em vantagem no primeiro
tempo, mas Pirillo diminuiu e o jogo foi para o intervalo com vantagem para o
tricolor por 2x1. No segundo tempo a pressão foi toda do Flamengo, que
precisava vencer para ser campeão. Ao Fluminense restou defender a
vantagem com todas as forças, inclusive com cera e alguma catimba de seus
jogadores, fato que acabou acarretando a expulsão do ponta-esquerda
Carreiro.
Aos 39 minutos porém, o Flamengo chega ao empate, novamente com Pirillo, e
a partida ganha contornos de drama nos seus últimos minutos.
A Lenda
Com um jogador a menos e o goleiro Batatais com o ombro deslocado, restou
aos tricolores usar de todos os artifícios possíveis para impedir o terceiro gol
rubro-negro, que parecia muito perto de acontecer. Nesse momento crucial da
partida, alguns jogadores do Fluminense (principalmente o zagueiro
Renganeschi) começaram a atirar, proposital e seguidamente, a bola na Lagoa.
Os jogadores rubro-negros tentavam repor a bola em jogo mas, atirada cada
vez mais longe, ela voltava logo em seguida para a Lagoa. Alguns remadores
do Flamengo foram convocados para devolver as bolas porém, não
conseguindo dar conta da missão, deixaram os jogadores e torcedores rubro-
negros muito nervosos à medida que o tempo ia passando e o árbitro não
coibia esse tipo de cera. Essa tensão durou até que, finalmente, Juca da Praia
deu por encerrada a partida, sob muita pressão e cobrança dos minutos
desperdiçados pela estratégia usada pelo Fluminense. Com o empate em 2x2,
os tricolores conquistavam, heroicamente, o bicampeonato carioca 1940/ 41.
Considerando o inusitado do fato e a escassez de um registro detalhado sobre
o acontecido, que segundo o jornalista e escritor Roberto Assad, só foi citado
no O Globo Esportivo, edição 171/41 e em uma pequena nota do jornalista
Mário Filho, no Jornal dos Sports, que informava que “duas ou três bolas foram
chutadas para fora do estádio”, fica a pergunta: fato ou lenda ? Aqui talvez
caiba citar Nélson Rodrigues e seu “Sobrenatural de Almeida” que, certamente,
afirmaria que a artimanha tricolor não feriu a lisura do esporte pelo fato de não
ser culpa do Fluminense haver uma Lagoa tão próxima (algo em torno de três
metros) do campo, com a possibilidade de ser facilmente alcançada pelo chute
dos seus jogadores. Sim, a história registra o fato (jogo) que, no entanto,
ganhou “ares” de lenda a partir de inúmeras e, com certeza, emocionantes e
apaixonadas resenhas através do tempo. Sendo assim, valerá sempre a versão
do torcedor. É como diz o velho ditado: “no creo en brujas, pero que las hai... Las hai”.
A Tradição
Um clássico com esse tamanho vive de fatos, heróis e lendas. A bola que não
entrou, o pênalti que não foi marcado, o título que não veio. O recorde mundial
de público presente, em jogos entre clubes, com 194.603 pessoas (Fla x Flu de
63) e de público pagante, no mesmo jogo, com 177.656 torcedores, um sem
número de craques ao longo do tempo, a beleza das bandeiras coloridas
desfraldadas nos estádios, a rivalidade das torcidas (desde os campos da Rua
Paysandu e Rua Guanabara) e o Fla x Flu da Lagoa são fatos que atestam o
inegável charme desse “Clássico das Multidões”. Por tudo isso a magia que
envolve o encontro entre tricolores e rubro-negros não se explica, podendo
apenas ser sentida por seus torcedores através de uma paixão nacional
chamada... Futebol.
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